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Futurismo no Brasil

FUTURISMO NO BRASIL

Leticia Maria Venson*

O futurismo foi um movimento artístico e literário que surgiu oficialmente em 20 de fevereiro de 1909 com a publicação do Manifesto Futurista pelo italiano Filippo Marinetti, no jornal francês Le Figaro. O movimento futurista foi uma das vanguardas do início do século XX, que como as demais tinha um caráter militante, revolucionário e utópico, acreditando que a arte tem a missão de construir um novo homem, um novo mundo e uma nova ordem social. O futurismo propagou suas ideias rapidamente por toda a Europa, ligando-se aos acontecimentos políticos e sociais, chegando também ao Brasil, tendo em vista que alguns artistas brasileiros iam para a Europa a fim de aprimorar seus estudos, sendo um desses artistas Oswald de Andrade. Porém, o futurismo no Brasil não foi uma cópia do futurismo europeu, pois tomou uma feição própria e diversa, sendo esse o objeto de análise do presente ensaio, além de uma breve análise do futurismo Europeu.

A virada do século XIX para o XX é marcada por grandes transformações na sociedade europeia. A revolução industrial iniciada no século XIX modificou a vida dos centros urbanos, pois houve o surgimento das grandes metrópoles, além das inúmeras modificações sociais geradas pela implantação de grandes indústrias, da modernização das comunicações e transporte, sendo a arte alcançada por algumas destas transformações. Nesse período, a arte teve de rever seus próprios conceitos, o que não agradou todos os indivíduos envolvidos. Enquanto alguns artistas incorporavam novos procedimentos técnicos e industriais na produção de suas obras, outros negavam essas atitudes. Nesse contexto de grandes modificações sociais, surgem as vanguardas artísticas, sendo elas responsáveis por quebrar fronteiras e paradigmas tradicionais de forma incisiva e irreconciliável. O futurismo fez parte do conjunto de vanguardas que no início do século XX renovaram os valores artísticos e alteraram os rumos das artes e da literatura.

A história do futurismo se confunde com a de seu líder F. T. Marinetti (1876-1944). Marinetti é um italiano de formação cultural francesa nascido no Egito. Chegou a Paris no ano de 1893, onde estudou na Sorbonne, e frequentava boêmias intelectuais em que fez diversos amigos, entre eles decadentistas e simbolistas. Marinetti iniciou suas atividades literárias na revista franco-italiana Anthologie-revue de France e d’Italie. Em 1905 em Milão Marinetti fundou a revista pré-futurista Poesia, de muita importância na renovação das letras italianas. E foi em 20 de fevereiro de 1909, Le Figaro publicou o seu primeiro manifesto futurista. Esse manifesto foi publicado no mesmo ano em dois jornais brasileiros; em 5 de junho em A República, de Natal-RN; e em 30 de dezembro no Jornal de Notícias, da Bahia-BA.

Segundo a atuação de Marinetti, a história do futurismo pode ser dividida em três fases: a de 1905 a 1909, em que o princípio estético defendido é o verso livre; a de 1909 a 1914, quando se redige a maior parte dos manifestos e se luta pela imaginação sem fios e pelas palavras em liberdade; e a de 1919 em diante, quando se fundou a fascismo, e o futurismo se transforma em porta-voz oficial do partido. O ano de 1913 é o mais importante do futurismo, pois é o ano em que se lança o maior número de manifestos, entre os quais o da política e o da imaginação sem fios e palavras.

O futurismo exaltou a vida moderna, procurou estabelecer o culto da máquina e da velocidade, pregando ao mesmo tempo a destruição do passado e dos meios tradicionais da expressão literária, no caso a sintaxe: usando as palavras em liberdade, rompia a cadeia sintática e as relações passavam a se fazer através de analogia.


Os futuristas, cujas principais características artísticas eram a simultaneidade e a velocidade, tinham uma visão otimista do futuro e do progresso e pretendiam alcançar uma nova época. A importância dada pelos futuristas às novas máquinas e aos novos e modernos métodos da sociedade da época será incorporada nas artes visuais através da busca pela sensação de movimento dinâmico, e estas características também serão enaltecidas nos diversos manifestos publicados. (JUCHEM, 2011, p. 1944-1945)


Pode concluir-se que o futurismo teve a sua gênese na França, ainda que, nos seus objetivos se dirigisse à Itália, onde, de fato conheceu os seus dias de glória literária e política. O próprio Marinetti cita como precursores de sua “escola” os nomes de Whitman, Verharen, Zola, Gustave Kahn, Paul Adam.


O Futurismo insere-se nessa experiência paradoxal do ambiente da modernidade e projeta-se, como o próprio nome declara, como o prenúncio de um tempo que há de vir, mas que no mesmo instante já é. Manifesta-se como um novo anticlassicismo e como um antirracionalismo. Abrindo-se espaço as concepções que repensam o homem, o futurismo promove a exaltação das formas modernas e a destruição do passado recente, insere-se nesse turbilhão de desintegração com uma apologia ao efêmero, ao fragmentário. (PLOEG, 2011, p.15)


Segundo Leon Trotsky, em seu livro Literatura e Revolução, o futurismo abria caminho a uma nova reconstrução artística da vida, a uma destruição e a uma reconstrução sobre novos eixos.

A introdução do Futurismo na renovação das artes brasileiras não apenas fomentou um debate pela mudança artística, como também impulsionou uma reflexão sobre a dependência cultural brasileira em relação à Europa. O Modernismo brasileiro tomou uma feição própria e diversa do Futurismo. O Futurismo que penetrava no Brasil interagia com um país de tradição colonialista, que aos poucos se modernizava através de uma incipiente industrialização, acompanhada por um processo de urbanização e, ao mesmo tempo, um profundo hibridismo cultural.

As notícias que chegaram do futurismo no Brasil foram breves e esparsas, não obtendo grandes repercussões no meio intelectual anterior à década de 20, tendo em vista o estouro da Primeira Guerra Mundial que se prolongou de 1914 até o ano de 1918. Após a Primeira Guerra, o contato cultural entre Brasil e a Europa voltou a ser retomado. Alguns intelectuais brasileiros relacionavam o futurismo à loucura, doença, extravagância, aberração, sendo na maioria das vezes palavras de carga negativa.

Um dos principais importadores do futurismo no Brasil foi Oswald de Andrade, tendo tido contato com o futurismo em Paris, trazendo suas ideias de renovação das letras nacionais que não foram bem recepcionadas no ambiente literário da época. Oswald não desejava perder as raízes culturais brasileiras, mas afirmava serem fecundas para a nossa literatura estagnada uma atualização que corresponda aos anseios de novos tempos prometidos pela indústria nacional.

No Brasil vivia-se um momento particular, pois estávamos experimentando o fim de um regime imperial e o início da República. Novas relações sociais surgiam, experimentava-se a industrialização e a formação de centros urbanos, sendo esse momento propício para a introdução e o desenvolvimento de uma ideologia futurista, que pregava a ruptura com o passado e exaltava a máquina, buscando a consonância da arte com a nova realidade que se impunha.

Segundo Susana Ploeg, na década de 20 a palavra “futurismo” torna-se constante nos jornais e revistas da época. É nessa década que se começa a agitar-se e a movimentar-se um grupo de jovens literatos e artistas contra a estética consagrada. A palavra futurista adquire no Brasil uma carga depreciativa, mas não demora muito para que os modernistas brasileiros tomem o rótulo pra si e se digam futuristas, possibilitando aos artistas e escritores uma repercussão de maior alcance na mídia.

Esse movimento que almejava a ruptura e destruição do passado em pouco tempo foi desatualizado e desacreditado no Brasil, mas nos deixou um legado de muitas influências. O futurismo no Brasil foi fomentador de um debate cultural que acabou por formar dois grupos distintos: os passadistas e os futuristas, que posteriormente ficaram conhecidos como modernistas.

Um dos fatores que influenciou a rejeição do futurismo é o fato de na década de 1920 ele já se encontrar ultrapassado na Europa. A ruptura com o passado, a crítica à arte parnasiana, a defesa do verso livre, do simultaneísmo, do elogio à velocidade, a vida moderna, às máquinas e à técnica, foram alguns dos pontos mais recorrentes entre escritores brasileiros da década de vinte.

No ano de 1926 Marinetti realiza uma turnê pelo Brasil, fazendo com que o Futurismo volte a aparecer na imprensa. Sua visita reavivou os ânimos dos artistas e escritores brasileiros, seu intuito era propagar o movimento que no Brasil já se encontrava ultrapassado, já havia sido reformulado. Marinetti também se preocupa com a divulgação do fascismo o que torna o ambiente e suas conferências tumultuosas.

Entre o surgimento do Futurismo e a sua repercussão no Brasil há uma distância temporal de 13 anos, pois se considera a Semana da Arte Moderna como o evento que marcou a repercussão do Futurismo no Brasil. Durante esse período, o Brasil e a Europa estavam convivendo com experiências de modernização, e sob o impacto dessas experiências emergem com mais força e vitalidade os pensamentos que clamam pela redefinição da arte e que possibilitam o surgimento do Futurismo na Europa e a introdução do mesmo no Brasil.

O Futurismo foi responsável por amalgamar escritores e intelectuais em torno da ideia de renovação literária, que juntos construíram e pensaram a Semana de Arte Moderna e a renovação artística brasileira. O artista futurista, consciente de seu papel histórico, rebela-se contra as tradições que o precediam imediatamente e exacerba o culto ao novo.

O Futurismo, que se caracterizou por sua crítica destrutiva do passado e sua abertura construtiva do futuro, pelas novas contribuições da ciência, da tecnologia e da indústria, encontrou no Brasil chão fértil, pois o país vivia um momento de crítica ao seu passado. Nesse contexto, a cidade de São Paulo destacava-se por viver este processo de maneira mais explícita do que outras realidades brasileiras.

O processo de acolhida do futurismo no Brasil não foi unívoco nem nacional, foi um processo que se caracterizou pelas diferenças locais inclusive pelas conjunturas diferentes vividas no Sul-Sudeste e Norte-Nordeste.

Concluindo, no Brasil o futurismo teve grande influência na produção artística de artistas ligados ao movimento modernista. Seus conceitos de desprezo ao passado foram de grande interesse dos artistas brasileiros que desejavam parar de copiar os modelos europeus e criar uma arte brasileira, em que foi o caso o surgimento do Movimento Antropofágico, do qual Oswald de Andrade escreveu um Manifesto — sendo uma das principais obras do Movimento Antropofágico a pintura Abapuru de Tarsila do Amaral — que tinha como intuito remodelar a cultura nacional. Ou seja, o Futurismo foi de grande importância para o modernismo no Brasil, suas ideologias fizeram despertar o interesse pelo desenvolvimento de uma cultura não tão dependente da Europa, sendo o Movimento Antropofágico muito influenciado por Marinetti e o Futurismo.


Referências:

ANDRADE, Oswald de. O manifesto antropófago. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro: apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas. 3ª ed. Petrópolis: Vozes; Brasília: INL, 1976.

BORTOLUCCE, Vanessa Beatriz. O centenário do futurismo: uma estética do tempo. In: ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE, 5., 2009, Campinas. Anais... . Campinas: Unicamp, 2009. p. 49 - 62.

GELADO, Viviane. O Manifesto de Vanguarda na América Latina. Sínteses - Revista dos Cursos de Pós-Graduação Vol. 11 p.193-214. 2006.

JUCHEM, Marcelo. Dada X foto: aproximação entre literatura e artes visuais na vanguarda europeia. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS DE IMAGEM, 3., 2011, Londrina. Anais... . Londrina: 2011. p. 1941 - 1955.

PLOEG, Susana Rodrigues Cavalcanti van Der. A recepção do futurismo no Brasil. 2013. 160 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Letras, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.

TROTSKY, Leon. Literatura e Revolução. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.


* Acadêmica do curso de História da Universidade Federal da Fronteira Sul, campus Chapecó. Contato: leticiavenson@hotmail.com

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O projeto "Cultura Pensante" é um movimento criado por integrantes do Centro Acadêmico de Filosofia (CAFIL) do Campus Chapecó da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), vinculando-se a este órgão representativo, com o objetivo de criar e divulgar cultura.  O projeto engloba, de um lado, a criação e divulgação e atividades culturais, e, de outro, a divulgação a um público externo da síntese dos conhecimentos construídos pelo projeto por meio da revista digital sediada nesse espaço.

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