Indústria cultural em Adorno
INDÚSTRIA CULTURAL EM ADORNO
Luiz Adair Silveira[1]
Resumo
O presente texto tem como finalidade apresentar como Theodor W. Adorno concebe, discute e reflete acerca do tema indústria cultural ou seja, a forma como o filósofo expressa seu ponto de vista diante desta realidade. Adorno procura apontar quais são as consequências do ponto de vista negativo que a indústria cultural impõe à sociedade, bem como os prejuízos que ela causa ao processo de emancipação humana. Quais são os elementos da indústria cultural que existem na esfera social, que se traduzem, na concepção de Adorno, como maléficos para a constituição de uma sociedade bem estruturada. Os malefícios da indústria cultural podem de alguma forma ser dissolvidos, e essa dissolução pode favorecer os componentes constitutivos de uma sociedade bem estruturada, transformando-a em um espaço onde o cidadão pode se tornar consciente e promover sua própria emancipação. Mas o foco principal deste trabalho é expor a diferença entre alguns produtos da indústria cultural da época de Adorno, e também alguns que existem na atualidade.
Palavras-chave: sociedade; indústria cultural; emancipação.
INTRODUÇÃO
A construção de uma teoria relacionada aos processos de formação humana, em geral estão atrelados a uma educação emancipatória que começa na família, e se estende às demais esferas da sociedade como: igreja, escola, vida profissional e tantas outras. Mas cada uma destas esferas desde a familiar, possuem suas próprias ideologias que constituem-se em um poder ideológico tão forte que acabam por determinar o perfil do indivíduo, podendo causar a sua não emancipação. Mas é importante salientar que a emancipação humana só acontece a partir do momento em que cada indivíduo tenha total noção do que significa esclarecimento. Para Kant, “esclarecimento é a saída dos homens de sua auto-inculpável menoridade” (apud ADORNO, 1995, p. 169). Trata-se de um conjunto de conhecimentos que procura dissolver os mitos, as crenças e os adeptos da tradição e substituir a imaginação pelo saber. Sem antes estar totalmente esclarecido e emancipado, o ser humano não consegue dimensionar e compreender o grande prejuízo que a indústria cultural traz à sociedade.
A indústria cultural se fixou no interior da sociedade, com um poder tão forte de industrializar ilusões, que levou o ser humano a tornar-se o maior consumidor deste produto chamado ilusão. As ilusões da indústria cultural têm como única finalidade reproduzir e promover os interesses apenas das classes dominantes e transformar o ser humano em um mero objeto e não em um sujeito, que seja realmente livre na sociedade em que vive. “Que as necessidades sejam de antemão organizadas de tal forma que o homem se veja nelas unicamente como um eterno consumidor, como objeto da indústria cultural” (ADORNO; HORKHEIMER, p. 117). Desta forma, todos os produtos da indústria cultural são desenvolvidos e adaptados para que sejam consumidos na sua grande maioria, pelas pessoas de classe média baixa que constituem a massa popular, e são exatamente estes os menos ou poucos esclarecidos.
Mas, para que se possa fazer nesta abordagem uma reflexão acerca da indústria cultural, é preciso conhecer alguns elementos que compõe o contexto social humano e que deveriam se desenvolver para atender os desejos e aspirações humanas; mas que, por vários fatores, acabam promovendo, fortalecendo e, por fim, solidificando um processo que, para Adorno, é a indústria cultural. E os elementos da indústria cultural que aqui serão pauta para esta reflexão, ainda que tenham formas diferentes de atuar junto à sociedade, todos eles transformam o ser humano em objeto e não em sujeito. Aqui serão apresentados três elementos que, com o poder e a força da indústria cultural, podem levar alguns prejuízos à sociedade. São eles, o capitalismo, a comunicação e o entretenimento.
CAPITALISMO
O capitalismo é um sistema econômico composto por uma ideologia que tem como base a propriedade privada dos mais variados meios de produção com vistas ao consumo humano, e sua operação tem como finalidade principal a obtenção de um alto poder lucrativo para quem detém a posse das cadeias produtivas. As principais características deste sistema econômico, além de dominar a propriedade privada pelos grandes proprietários dos meios de produção, incluem ainda neste processo, uma grande acumulação de capital que provém do resultado da mão-de-obra fornecida pela imensa camada de massa popular, o trabalhador assalariado. E é exatamente este indivíduo que constitui a imensa camada populacional que acaba por encontrar maiores dificuldades em se tornar esclarecido, pois é manipulado e está sempre submisso ao sistema econômico capitalista.
No contexto indústria cultural concebida por Adorno, é importante ressaltar que, das necessidades que o sistema capitalista gerou, existe uma com extremo poder de dominação que é a jornada de trabalho. A jornada de trabalho das indústrias, do comércio, das instituições de ensino, das tarefas domésticas e das demais áreas profissionais, públicas ou privadas, provocam no ser humano um desgaste físico e mental muito grande; pois, diante do sistema capitalista que aí está, não é possível tirar um tempo adequado ao lazer e à formação pessoal e profissional. Para que se possa exercer todas as funções de forma adequada ao que o sistema impõe ao ser humano, muitos objetivos e desejos de realização pessoal e profissional acabam adiados e muitas vezes deixados de lado. Mas o próprio ser humano não se dá conta de que está se tornando escravo deste sistema, e assim não é capaz de refletir acerca de próprio prejuízo que provém desse poder de dominação.
A violência da sociedade industrial instalou-se nos homens de uma vez por todas. Os produtos da indústria cultural podem ter certeza de que até mesmo os distraídos vão consumi-los alertamente. Cada qual é um modelo da gigantesca maquinaria econômica que, desde o início, não dá folga a ninguém, tanto no trabalho quanto no descanso que tanto se assemelha ao trabalho. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, P. 105)
Para Adorno, o que o modelo capitalista instalado na sociedade deseja é uma produção em grande escala dos bens culturais, para satisfazer de forma enganosa as necessidades geradas pela estrutura de trabalho, mantendo assim a necessidade de novos produtos. O capitalismo impõe um grande sistema ideológico, fazendo com que as pessoas sejam constantemente iludidas em relação àquilo que realmente necessitam. Segundo o filósofo, os produtos da indústria cultural transmitem a ideia de que as necessidades que satisfazem os seres humanos são verdadeiras e dão ao ser humano o poder de escolha, embora a realidade evidencie ações muito bem planejadas impondo aos consumidores um consumo desnecessário dos mais variados produtos, incluindo neste contexto os produtos da esfera cultural, e assim as manifestações culturais entraram nesse mesmo ritmo desenfreado.
O ser humano aceita pacificamente a ideologia da dominação capitalista, que o transforma em objeto sem a menor preocupação de ocupar seu espaço na sociedade como sujeito, pois não procura se impor contra qualquer tipo de ação que possa resistir e barrar a entrada e a permanência da indústria cultural na sociedade. Esta passividade humana colabora para o aumento da dominação e para a adequação das forças produtivas técnicas, permitindo que o sistema ideológico gerado pelo capitalismo esteja sempre impondo regras que são vistas como progresso, mas na realidade são o próprio regresso instalando-se no interior da sociedade. O ser humano se converte em objeto, permitindo ser manipulado, e, desta forma, regride sempre, beneficiando o poder de dominação das forças produtivas técnicas.
Não é possível barrar e impedir a permanência da indústria cultural sem que a educação seja desenvolvida e voltada às aspirações reais da sociedade e ao processo de emancipação. É preciso resgatar urgentemente o sentido da emancipação humana no espaço educacional a partir da compreensão e da aplicação da filosofia como reflexão crítica. Uma educação que não seja comprometida e desenvolvida a serviço da formação pessoal do indivíduo, dificilmente levará este indivíduo a superar e resistir às imposições que o sistema capitalista implanta dentro da sociedade.
COMUNICAÇÃO
A comunicação é um elemento que tem uma importância imensa entre os membros da esfera social, já que ela é constituída por um processo que envolve as mais variadas trocas de informações entre duas ou mais pessoas. A comunicação é tão importante que permite, e somente ela pode proporcionar a aquisição de conhecimento, em que esse conhecimento, se utilizado de forma adequada e correta, leva o ser humano a criar possibilidades de interpretar perguntas, respostas, reflexões, discussões, investigações e todos os ingredientes que, de uma forma ou de outra, fazem do ser humano um indivíduo livre para inserir-se na sociedade. Mas, segundo Adorno, a comunicação se tornou vítima da evolução e das transformações que ocorrem na vida do ser humano que ele próprio promoveu. Isso dificulta a emancipação do ser humano, mantendo-o alienado aos interesses da indústria cultural.
Em épocas mais remotas segundo a história, a comunicação existia com a finalidade de troca de informações, somente entre as pessoas dentro de uma determinada sociedade ou civilização. Mas este modelo de comunicação, com o passar do tempo, foi ficando de lado e deu espaço a outros meios de comunicação como o telefone e o rádio. O telefone, criado por Graham Bell em 1876, parece ser um meio de comunicação muito útil para a sociedade, tendo em vista que a comunicação continuava sendo realizada apenas entre as pessoas, embora poucos pudessem ter acesso a este meio de comunicação. O rádio, por sua vez, inventado não se sabe ao certo, se por Roberto Landell de Moura (padre brasileiro) em 1893, ou pelo italiano Guglielmo Marconi em 1896, foi um meio de comunicação que, aos poucos, transformou-se em uma alternativa para manipular as pessoas com seus programas e suas propagandas.
A passagem do telefone ao rádio separou claramente os papéis. Liberal, o telefone permitia que os participantes ainda desempenhassem o papel de sujeito. Democrático o rádio transforma-os a todos igualmente em ouvintes, para entrega-los autoritariamente aos programas, iguais uns aos outros, das diferentes estações. Não se desenvolveu qualquer dispositivo de réplica e as emissões privadas são submetidas ao controle. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 100)
Mais tarde em 1939 surge a televisão, um meio de comunicação com uma tecnologia mais avançada em relação ao rádio, pois além de emitir a voz mostrava imagens, o que deixou alguns estudiosos dos problemas sociais muito preocupados, tendo em vista que este meio de comunicação se tornaria bem mais manipulador do que o próprio rádio. Para Adorno, a grande preocupação em relação à televisão é a forma como as pessoas iriam se comportar diante da nova invenção. Apesar de ser um instrumento que iria proporcionar muitas informações, a maior preocupação é se as pessoas que assistissem as programações televisivas estariam conscientes a ponto de distinguir o que deveriam ou não assistir, tendo em vista que a televisão é um meio de comunicação que poderia, na maioria das vezes, influenciar de maneira equivocada na consciência dos telespectadores por meio das propagandas e das campanhas de publicidade.
Outro agravante, segundo Adorno, que a televisão leva de forma negativa aos telespectadores sem que eles percebam é a quantidade e a qualidade das programações que são levadas ao ar. Quanto maior a quantidade de programas que uma televisão mostra, maior será o montante financeiro que ela recebe com as propagandas dirigidas aos telespectadores. Mais uma vez tudo em nome da lucratividade. E quanto à qualidade das programações, o ideal seria que elas tivessem um perfil formador de consciência humana que pudesse levar o indivíduo a promover sua emancipação e contribuir para que a indústria cultural não se fortalecesse dentro da sociedade. Mas o que acontece é o oposto, pois o que é apresentado na televisão contribui para divulgar ideologias que são dirigidas equivocadamente à consciência dos telespectadores.
Por um lado é possível referir-se à televisão enquanto ele se coloca diretamente a serviço da formação cultural, ou seja, enquanto por seu intermédio se objetivam fins pedagógicos. Por outro lado, porém, existe uma espécie de função formativa ou deformativa operada pela televisão como tal em relação à consciência das pessoas. (ADORNO, 1995, p. 76)
Para Adorno, os meios de comunicação como o rádio e a televisão, que atuam como manipuladores no interior da sociedade, geram ainda uma outra preocupação, que é a produção dos mais variados componentes para fabricação destes produtos. Nesse contexto ocorre uma confusa e imensa trama econômica nos setores produtivos envolvendo os setores mais poderosos da indústria como o aço, o petróleo e a eletricidade. “A esfera inteira, cujos setores individuais por sua vez se interpenetram numa confusa trama econômica” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 101). E todo esse processo requer ainda mão-de-obra especializada, e assim o processo formativo se reduz em conhecimento técnico, enquanto a formação pessoal e cultural vai sendo deixada de lado. Dessa forma, o processo de formação do indivíduo como pessoa vai regredindo e consequentemente se transformando em semiformação, o que implica dificuldades para que o ser humano possa promover sua emancipação.
Outro meio de comunicação, talvez o mais importantes entre os que foram aqui citados, seja a comunicação utilizada através da linguagem falada e escrita, que Adorno tanto se refere quando se trata da emancipação humana através do processo da formação escolar. A linguagem falada e escrita representa na sociedade em que se vive a própria formação cultural, pois cada região, cada país, cada civilização e até mesmo alguns grupos sociais, possuem seu próprio código de linguagem. Mas, para Adorno, a linguagem falada e escrita é utilizada de forma incorreta e inadequada, o que significa impossibilidade de esclarecimento. Um indivíduo não esclarecido se torna refém do sistema econômico existente e impedido de tornar-se livre para promover sua emancipação, e dizer não à indústria cultural.
ENTRETENIMENTO
O entretenimento é um elemento da esfera social com base no desenvolvimento de ações, eventos e atividades que tem como finalidade proporcionar ao ser humano prazer físico e mental, e está totalmente ligado ao lazer. Mas os elementos culturais do entretenimento, segundo Adorno, também acabaram por se tornar produtos industrializados e comercializados com a finalidade de proporcionar altíssimos lucros aos produtores das mais variadas formas de entretenimento. Atualmente o entretenimento é altamente rentável para quem produz os espetáculos e pouco rentável para a grande maioria que apresenta os espetáculos. Na esfera do entretenimento, a indústria cultural atua tão fortemente que se resume a beneficiar os poderosos da indústria cultural, prejudicar os talentos do entretenimento e manipular as massas populares transformando-as em consumidores.
Quando se fala em pouca rentabilidade para a grande maioria que apresentam os espetáculos, é uma referência aos grandes talentos do mundo artístico que são mal remunerados, e nem se quer podem mostrar ao público seu verdadeiro talento. Para alguém se destacar e ser reconhecido através da sua arte, é preciso vender seu talento às grandes produtoras e aos grandes grupos empresariais. E, só para citar, há duas formas de entretenimento que se encaixam perfeitamente neste contexto: o futebol e a música. No futebol, os poucos que demonstram talento são comprados, lapidados ou preparados, e vendidos ao mercado do futebol por valores exorbitantes. No mundo da música não é diferente, pois os poucos artistas que se destacam são submetidos a fazerem o que os produtores determinam, e não o que talvez eles os artista gostariam de apresentar. Mais um exemplo de alienação que favorece apenas aos interesses da indústria cultural.
Os grandes artista jamais foram aqueles que encarnaram o estilo da maneira mais íntegra e mais perfeita, mas aqueles que acolheram o estilo em sua obra como uma atitude dura contra a expressão caótica do sofrimento, como verdade negativa. No estilo de suas obras, a expressão conquistava a força sem a qual a vida se dilui sem ser ouvida. As próprias obras que se chamavam clássicas, como a música de Mozart, contém tendências objetivas orientadas num sentido diverso do estilo que elas encarnavam. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985 p. 107)
Todas as manifestações, até mesmo as de tendências políticas, entraram no ritmo de uma cultura industrializada. O cinema, o teatro, o rádio, a televisão e as revistas não precisam mais se apresentarem como arte segundo Adorno. Na verdade esses meios de comunicação e entretenimento não passam de um comércio extremamente lucrativo, ficando de lado o fator mais importante nesse contexto: o verdadeiro sentido que uma obra de arte pode expressar. A indústria cultural se coloca ainda como uma ideologia destinada a legitimar o lixo cultural que produz, ou seja, o produto resultante de uma cultura industrializada é considerado um lixo, afirma o filósofo. Mas esse é o retrato de uma sociedade e do poder que os economicamente mais fortes exercem sobre ela.
O cinema, o rádio e as revistas constituem um sistema. Cada setor é coerente em si mesmo e todos o são em conjunto. Até mesmo as manifestações estéticas de tendências políticas opostas entoam o mesmo louvor do ritmo de aço. Os decorativos prédios administrativos e os centros de exposição industriais mal se distinguem nos países autoritários e nos demais países (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 99)
Os poderosos da indústria cultural, ao se apropriarem das artes culturais com a única finalidade de defenderem seus interesses comerciais, fizeram com que elas se descaracterizassem totalmente do compromisso social, caracterizando-se apenas em manipulação do capital artístico. As artes, muitas vezes, têm como papel fundamental na sociedade, criticar determinadas ações de carácter negativo nas várias esferas sociais, especialmente no aspecto político e econômico. Essas críticas geralmente promovem a conscientização nas pessoas. Mas infelizmente a forma como a arte vem sendo desenvolvida é como se tivesse contraído uma doença muito grave, conhecida como paralisia; pois, com a sua descaracterização, resultante da indústria cultural, parece ter ficado paralítica, movendo-se apenas quando alguém a leva, ou seja, é conduzida pelos poderosos.
Os grandes talentos já pertencem à indústria cultural muito antes de serem apresentados por ela. Os grandes talentos da música e do esporte já não se desenvolvem naturalmente, mas são projetados e preparados para serem vendidos no mercado como se fossem um objeto qualquer, e com uma única finalidade: faturamento elevado. Um talento musical não tem liberdade de mostrar seu trabalho sem que grandes produtoras musicais o produzam e determinem de que forma ele deve expor suas habilidades. E o mais terrível é que tudo isso acontece com o consentimento do próprio talento e do público, que favorece o sistema da indústria cultural porque ele é parte deste sistema.
No quadro da rádio oficial, porém, todo traço de espontaneidade no público é dirigido e absorvido, numa seleção profissional, por caçadores de talentos, competições diante do microfone e toda espécie de programas patrocinados. Os talentos já pertencem à indústria muito antes de serem apresentados por ela: de outro modo não se integrariam tão fervorosamente (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 100-101)
Os meios de comunicação e entretenimento possuem uma ideologia totalmente comercial. A indústria cinematográfica é totalmente dependente das instituições bancárias. Dessa forma, pode-se dizer que há entre o cinema e um banco uma trama econômica, mas que em torno dessa trama giram valores financeiros exorbitantes. O rádio e a televisão não mais atuam como meios de informação, educação e entretenimento, mas atuam em função das mais diversas propagandas fazendo do ouvinte e do telespectador um escravo do consumo em excesso dos mais variados produtos que existem no mercado. E esta escravidão atinge todos os níveis sócias, bem com todas as faixas de idade. Desde a criança, o adolescente, o jovem até o idoso.
Outro fator relevante na reflexão do tema aqui abordado, e mais uma vez relacionado ao cinema e à televisão, são os produtos que esses meios de comunicação produzem e oferecem aos consumidores. Os programas de televisão e uma grande quantidade de filmes transformaram-se em pornografia. Nada mais é censurado. Tudo é permitido para satisfazer a vontade dos adolescentes e dos jovens. E nesse contexto até os idosos estão entrando nesse ritmo. Mas a produção de objetos sexuais em grande escala, oferecidos ao público citado anteriormente, entra no mercado apenas com finalidade comercial, e mais uma vez o indivíduo acaba sendo vítima do sistema, mas continua concordando com ele!
Na realidade a indústria cultural sobrevive, fazendo da arte séria um simples passatempo para que, quando não está trabalhando, o ser humano não perceba ou esqueça o quanto está sendo iludido, pois na maioria das vezes trabalha como se fosse escravo, e recebe remunerações superbaixas e nem se dá conta do que está acontecendo. Assim, a grande maioria das formas de entretenimento é criada para manter os consumidores mergulhados nos produtos da indústria cultural. A indústria cultural, conduzida pelos poderosos, determina de forma tão profunda as mercadorias destinadas aos setores de entretenimento que toda a estrutura de uma apresentação artística, desde a montagem de um palco até a realização do espetáculo, sempre passa pelo trabalho escravo com baixíssima remuneração.
O rádio e a televisão já foram grandes fontes de entretenimento e continuam sendo é claro, mas em menor escala atualmente, devido ao surgimento de outros equipamentos eletrônicos que foram lançados no mercado para influenciar as crianças, os adolescentes e os jovens. Mas até os adultos e os idosos acabaram por se deixar influenciar pelas novas invenções. Em outras épocas, o rádio foi muito útil como entretenimento, pois as suas programações musicais transmitidas nas manhãs, nas noites e nos finais de semana atingiam principalmente os jovens, adultos e idosos. Quando surgiu a televisão, esta sim atingiu todas as faixas de idade, desde as crianças até os idosos, devido às diferentes programações que eram levadas ao ar. Para as crianças, foram criados programas infantis como os desenhos animados e outros que eram dirigidos especialmente para o público infantil.
Para as outras faixas de idade, desde os adolescentes até os idosos, foram criados diversos programas de entretenimento como esportes, músicas, filmes e programas de humor, mas todos com fins lucrativos impondo aos telespectadores, através das propagandas, o consumo dos mais variados produtos que eram fabricados com o objetivo de estimular as vendas e transformar o entretenimento em um grande produto comercial, e fazer do telespectador seu maior consumidor. Dessa forma, o entretenimento deixou de ser um elemento importante para a televisão porque principalmente os jovens na sua grande maioria estavam voltados para o que as propagandas iriam mostrar no intervalo das programações, do que para as próprias programações, instalando-se aí a indústria cultural.
Com o passar do tempo o rádio e a televisão foram perdendo seu espaço na sociedade para outros equipamentos eletrônicos, do computador até chegar ao celular, possivelmente o pior de todos na atualidade. Atualmente o ser humano está totalmente refém do celular, a ponto de não conseguir mais se encontrar no seu próprio espaço social sem o referido equipamento. As redes sociais contaminaram o ser humano atual de uma forma tão arrasadora que todas as atividades humanas como relacionamentos pessoais, profissionais e comerciais são realizadas por meio de aplicativos.
CONCLUSÃO
Qual será o papel da educação diante de tudo o que está acontecendo na esfera cultural? Para Adorno, a filosofia teria um papel fundamental junto a sociedade. Ela precisaria mais do que nunca aprimorar e conscientizar o ser humano quanto ao conceito de verdade. A filosofia deveria assumir uma postura crítica radical frente à indústria cultural, dissolvendo aos poucos essa ideia de uma sociedade dominada e que a expressão artística e a formação cultural são puras ilusões, embora o filósofo não tenha muita convicção de que a sociedade possa se isentar totalmente da pressão exercida pela indústria cultural. Talvez uma sociedade com mais liberdade e poder de escolha. Um ser humano mais esclarecido, com maior autonomia. Embora Adorno não mostre com muita clareza o que significa essa sociedade livre, ele acreditaria que a sociedade necessita de mudanças radicais com urgência. Caso contrário, a sociedade estaria indo para um caminho sem volta.
Para Adorno, a cultura contemporânea e moderna seria a recuperação da capacidade de uma reflexão e um diálogo com indivíduos com senso de verdade, e não com pessoas dos chamados grupos dominadores. Mesmo com um certo pessimismo, o filósofo acreditaria que é possível acontecer uma renovação na formação cultural, e essas cumprirem seu verdadeiro papel na sociedade. Mas isso só poderia acontecer se houvesse uma mudança de atitude da própria sociedade. Seria preciso que as massas populares pudessem se fortalecer contra a sociedade do poder dominante, impedindo que a indústria cultural continue reprimindo e anulando a capacidade de um processo de transformação pessoal que o ser humano possui.
O Projeto Político Pedagógico da escola também poderia ser, e de certa forma é, um instrumento que aponta alternativas para o desenvolvimento do processo de emancipação e resistência contra a indústria cultural, por se tratar de orientações que desenvolvem ações que tem seu embasamento definido na coletividade. Mas, para Adorno, o contexto pedagógico da escola parece não ter orientações bem definidas com vista ao processo emancipatório através da educação, pois, para que seja possível a construção deste projeto rumo à emancipação, é preciso criar situações que levem o ser humano ao verdadeiro aprendizado, ou seja, colocar em prática as ações constantes neste projeto de forma adequada e correta.
Contudo, o que é peculiar no problema da emancipação, na medida em que esteja efetivamente centrado no complexo pedagógico, é que na literatura pedagógica não se encontra essa tomada de posição decisiva pela educação para a emancipação, como seria de se pressupor – o que constitui algo verdadeiramente assustador e muito nítido (ADORNO, 1995, p. 172)
O Projeto Político Pedagógico não é simplesmente um agrupamento de planos de ensino, planejamento anual e atividades diversas, e sim uma ação com a finalidade de manter um compromisso com a articulação coletiva ligada aos interesses reais da comunidade e da população em geral. Esse Projeto é um processo que discute e reflete permanentemente a busca por alternativas de efetivação do processo democrático e organizado de uma instituição escolar. E quando as orientações constantes no Projeto Político Pedagógico são transformadas em ações concretas, essas ações podem promover a construção de uma educação emancipadora.
REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Tradução Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
______; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
Notas
[1] Acadêmico do nono período do curso de Licenciatura em Filosofia da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). E-mail: dissil.adair@gmail.com.