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Fogo e Sangue: resenha de "Paraíso Destruído" de Bartolomeu de Las Casas

Las Casas, Bartolomeu. Paraíso Destruído. Porto Alegre: LPM POCKET, 2011.

Dionathan Tomasi(i) Thiago Aldo Franco(ii)

FOGO E SANGUE



Frei Bartolomeu de Las Casas (1474-1566) foi um frade dominicano espanhol, cronista, teólogo, bispo e grande defensor dos direitos dos índios. É considerado o primeiro sacerdote da América. Bartolomeu era filho de um comerciante de Tarifa, na Andaluzia. Participou da segunda viagem de Cristóvão Colombo às Américas. Estudou latim e humanidades em Salamanca. Formou-se sacerdote em Roma em 1507 e teve a licença da própria rainha para evangelizar os índios na expansão colonial. Las Casas viveu o auge da colonização, participou ativamente da maioria das expedições e dos primeiros contatos com os índios, era mais um que tinha a sede pelo conhecimento do chamado Novo Mundo, que se lançou de sua terra natal para ajudar na campanha colonizadora, e, claro, poder aproveitar dos grandes lucros que esta terra tão rica proporcionava a todos que aqui pisavam. Nos primeiros anos, o frei cumpriu com sua função que era a de catequizar os índios na religião cristã, recebeu terras da rainha como pagamento por seu trabalho e também muitos escravos. Porém, chocado com toda a crueldade feita pelos colonizadores aos índios, aproximadamente em 1514, de Las Casas abriu mão de todas as suas terras e escravos para se tornar um procurado e protetor universal de todos os povos indígenas. A partir daí, Las Casas continuou acompanhando as expedições, porém agora para poder escrever e relatar ao mundo todo a carnificina organizada pelos colonizadores no Novo Mundo. O livro possui 125 páginas e é dividido em 20 capítulos, todos são de caráter denunciador. O autor diz que se ele narrasse todos os eventos cruéis que presenciou durante os anos da colonização, escreveria uma obra imensa, mas, através do que ele descreve no livro, já se percebe o caos que era a vida de um indígena naquela época. Las Casas narra que a primeira terra povoada pelos colonizadores foi a chamada Ilha Espanhola. Esta, segundo ele, possuía mais de 250 léguas de distância, e de costa marítima mais de 10 mil léguas; na época uma légua se referia a mais ou menos de 4km a 6km. O autor relata que os índios receberam os colonizadores como deuses, trouxeram seus líderes para vê-los, com presentes, muita comida e frutas típicas daquela terra. Porém, os espanhóis logo entrariam em conflito com os índios devido que estes mantinham pouca comida consigo, pois faziam um estoque necessário apenas para suas famílias e para um período curto de tempo. O autor chega a mencionar que o que uma família inteira de indígenas comia em um mês, um colonizador espanhol consumia em um dia. Não contentando-se apenas com aquilo que os índios lhe davam, os espanhóis começaram a se servir das mulheres e filhos dos indígenas. Depois de muitos abusos e violências que sofriam, os nativos perceberam que estes homens não podiam ter descido do céu. Os nativos começaram a esconder sua comida, suas mulheres e filhos e a fugir para as montanhas. Isto se desencadeou em um sangrento ataque dos colonizadores. Assim, eles entraram nas vilas e aldeias não poupando nem crianças, nem homens velhos, e nem mulheres grávidas. Abriam-lhes o ventre e as faziam em pedaços. A partir daí, Bartolomeu de Las Casas descreve que se iniciou o período de guerra que permaneceria até sua morte e dizimaria milhões de nativos que aqui viviam. Esta que não pode se dizer que foi mesmo uma guerra, pois, nas palavras de Las Casas (2011, pg 33), “Os espanhóis nunca tiveram nenhuma guerra justa contra os índios. Todas foram diabólicas e muito injustas, mais do que as de qualquer tirano que exista no mundo”. Os índios andavam nus e não tinham nenhum armamento a não ser seus arcos e flechas ou táticas de guerra. Por outro lado, os espanhóis possuíam suas armaduras e suas espadas, suas táticas organizadas de guerra e o que os nativos mais temiam, os cavalos. Segundo o autor, um grupo de 50 espanhóis podia dizimar uma aldeia inteira de mais de 500 índios sem perder um único soldado. Os espanhóis até brincavam entre si sobre quais deles dividiriam um homem ao meio com apenas um golpe de espada ou quem deles conseguiria matar mais em uma investida. Na época, houve colonizadores que chegaram a matar 40 mil indígenas em poucos anos. O Frei descreve que a colônia sempre possuía um governador, estes não ficavam muito tempo, cerca de 7 a 8 anos, pois morriam ou voltavam à Espanha, mas que nesses curtos períodos que permaneciam no poder eram assustadoramente sanguinários e cruéis. Isso agravou-se ainda mais com a morte da rainha alguns anos depois. Os espanhóis capturavam os lideres das tribos indígenas e os torturavam para conseguir ouro, e, mesmo após conseguirem grandes somas, continuavam até que o líder perecia. A principal forma de tortura usada era queimar os nativos vivos, fosse em grandes fogueiras, amarrados em troncos, em braseiros, com azeite e outras formas. O importante era que em ambos os métodos as pessoas submetidas a este suplício morressem de forma lenta e dolorosa. A maioria dos indígenas eram mortos nos avanços espanhóis. Do restante, mulheres eram usadas para satisfazer os homens colonizadores, e bebês de colo eram dados aos cachorros para serem destroçados e devorados por estes, inclusive alguns cachorros até ficaram famosos naquela época, diversos de seus nomes são citados na obra. E, por fim, os homens e crianças capturados eram feitos cativos, forçados a trabalhar nas minas para extração de ouro, carregar bagagens aos navios e serem vendidos como escravos nas outras ilhas. Estes quase não recebiam comida e água e pereciam como moscas de sede, fome e cansaço. O trato dos espanhóis era rude, toda vez que um índio caia recebia chicotadas, chutes e bofetadas; o cativo, então, exausto, implorava pela morte. Uma história é contada pelo Frei no livro, a de um novo governador que chegou à ilha, que ele descreve como um dos mais cruéis, fazendo reféns os lideres de todas as tribos e exigindo pagamento de ouro de suas tribos; caso não fizessem, todos ficariam sem comida, pois o governador havia confiscado todo o estoque de trigo dos nativos. Mesmo depois de vários pagamentos, os índios não receberam alimento. Milhares morreram. Pais matavam os próprios filhos para que estes não sofressem a dor da fome. Uma mulher chegou a matar a própria filha para poder comê-la. Las Casas narra que ilhas imensas, territórios gigantescos ficaram completamente desertos depois de algumas décadas de colonização. Ele menciona que cerca de 50 milhões de nativos foram mortos nesse tempo, que a América era o lugar mais habitado do planeta, e foi reduzido a nada. Os espanhóis assassinaram tantas nações que chegaram a desaparecer com determinados idiomas, pois não havia mais ninguém que os falasse. O conhecimento desta obra nos faz pensar na crueldade e no suplício sofrido pelos índios que aqui viviam na América, até mesmo a história em nossas escolas sempre foi ensinada com o foco na Europa: as histórias dos colonizadores ousados, que atravessam oceanos, correm perigos, se aventuram no mar, no desconhecido, para levar adiante seus planos. A história é passada como o colonizador enganando os nativos de um continente considerado primitivo, um ser sem passado, nem vínculos sociais que aceita de forma omissa esse destino de trabalhar como escravo, escravidão esta que é inserida com plena naturalidade nas séries inicias em nossas escolas. Ao ler a obra, nos deparamos com um sentimento de revolta perante a tamanha desumanidade por parte dos colonizadores, e percebemos que até hoje a cultura indígena é ignorada pelos grandes poderes e pela mídia. Os poucos que restam perambulam pelas ruas das cidades sem rumo com as mazelas de 500 anos atrás ainda refletindo em sua realidade. Este livro não é para quem espera um final feliz, não é para ler em um final de semana ou na praia, não é um livro agradável, é um livro para quem tem estômago, é uma descrição da selvageria, desumanidade, crueldade de um povo perante o outro. Recomenda-se este livro para quem busca conhecer uma história vil, sem censura e sem medo, a real história da colonização, que foi fundada no fogo e sangue, por cima de milhões de cadáveres em uma carnificina gigantesca.

(i)Acadêmico do Curso de Filosofia da Universidade Federal da Fronteira Sul. E-mail: dtnaweb@hotmail.com (ii)Acadêmico do Curso de Filosofia da Universidade Federal da Fronteira Sul. E-mail: thiagofranco999666@hotmail.com



o Projeto cultura pensante

O projeto "Cultura Pensante" é um movimento criado por integrantes do Centro Acadêmico de Filosofia (CAFIL) do Campus Chapecó da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), vinculando-se a este órgão representativo, com o objetivo de criar e divulgar cultura.  O projeto engloba, de um lado, a criação e divulgação e atividades culturais, e, de outro, a divulgação a um público externo da síntese dos conhecimentos construídos pelo projeto por meio da revista digital sediada nesse espaço.

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