U. T. Place: Consciência e a Falácia Fenomenológica
U. T. PLACE: CONSCIÊNCIA E A FALÁCIA FENOMENOLÓGICA
Tailon Lucas Testa[1]
Em discussões concernentes à natureza da mente, geralmente costuma-se adotar um ponto de visa ou dualista ou materialista. Sendo que, aquele ponto de vista se fundamenta no argumento de que corpo e mente são coisas distintas. Enquanto que esse se sustenta no argumento de que não existe mente, o que há é apenas corpo. Visando uma argumentação em defesa do materialismo, o filósofo britânico Ullin Thomas Place escreveu o ensaio "Is consciousness a brain process?”. No qual, ele visa mostrar que a consciência pode ser identificada como determinados processos cerebrais padrões. Assim sendo, nosso objetivo no presente ensaio é analisar a argumentação de Place no ensaio anteriormente citado.
Place inicialmente em seu texto faz uma pequena introdução. Na qual ele apresenta uma breve história do materialismo ou, como ele também chama, do fisicalismo moderno. Posterior a isso o filósofo britânico se propõe a discutir sobre a função exercida pela cópula entre sujeito e predicado numa proposição. Para tanto, ele apresenta o seguinte argumento: a cópula entre sujeito e predicado atua ou como uma definição ou como uma composição. Isto é, no primeiro caso, a cópula faz uma relação de definição entre sujeito e predicado, fazendo com que a proposição seja tautológica. A fim de ilustrar esse ponto Place nos fornece os seguintes exemplos: "Um quadrado é um retângulo equilátero" e "Vermelho é uma cor"[2]. Segundo Place, se analisarmos esse tipo de proposição, verificaremos que em casos que aplicamos o sujeito da expressão, o predicado da mesma também é aplicável. Dessa forma, proposições em que a cópula exerce função de definição, para usar palavras de Place, são necessárias, as quais são verdadeiras por definição. Por outro lado, em casos em que a cópula exerce função de composição, a proposição se torna contingente. Vejamos o exemplo dado por Place para esse caso: "A mesa dele é um caixote velho". Nesse caso não há uma ligação necessária entre sujeito e predicado, isso faz com que seja necessária uma verificação no mundo para determinar o valor de verdade da proposição.
Entretanto, Place chama a atenção para um erro que pode ser cometido aqui, a saber: aceitar o argumento que para cada proposição lógica deve haver uma referência ontológica a uma entidade. Em outras palavras, tal erro consiste em assumir que, por exemplo, uma proposição A e outra B tenham que ter, necessariamente, duas referências distintas, tais como Σ e Π, respectivamente. Place, contra argumenta, dizendo que tal argumento cai por terra com o caso dos processos cerebrais[3], e da consciência. A fim de demonstrar a insustentabilidade desse argumento, o filósofo britânico apresenta um exemplo entre a nuvem e a massa de gotículas ou outras partículas em suspensão. Uma nuvem, segundo Place, é uma grande massa semitransparente com uma textura macia que fica suspensa na atmosfera, cuja a forma está sujeita a uma mudança caleidoscópica. Contudo, se observarmos de forma mais aproximada, veremos que isso na realidade consiste em uma massa de minúsculas partículas, geralmente gotas de água, em movimento contínuo. Com essa segunda constatação, concluiremos que uma nuvem não é nada mais que uma massa de minúsculas partículas. Segundo Place, certamente os termos "nuvem" e "massa de minúsculas partículas" significam coisas totalmente distintas. Porém, ainda assim não dizemos que tais termos referenciam duas coisas distintas. Portanto, o argumento que duas proposições distintas devem fazer referência a duas entidades ontológicas diferentes cai por terra com esse exemplo.
Até então Place fez uma distinção em proposições. Foram apresentados basicamente dois argumentos. O primeiro deles é que há proposições que necessitam de verificação para definir seu valor de verdade, enquanto que outras são verdadeiras por definição. O segundo é que duas proposições com diferentes significados podem fazer referência a mesma entidade ontológica. Bem, isso seria suficiente para concluir que os termos "consciência" e "processos cerebrais" se referem a mesma entidade ontológica. Contudo, a argumentação de Place é passiva de pelo menos uma crítica, qual seja, de uma critério para determinar quando duas proposições com significados distintos referenciam a mesma entidade ontológica. Tendo em vista tal problema, Place fornece dois critérios fundamentais: I) que não haja contradição lógica entre ambas as premissas. E II) uma teoria científica que forneça uma explicação imediata entre ambas as proposição. Em outras palavras, deve haver uma explicação científica que identifique o referente ontológico de ambas as proposições como a mesma entidade. Caso contrário proposições diferentes, referentes ontológicos diferentes. Todavia, Place está defendendo a tese de que a consciência é um processo cerebral. Para que tal seja confirmada cabe a ele apresentar quais processos fisiológicos são identificados como consciência e qual é a definição dessa.
A fim de esclarecer como Place define o termo "consciência" é importante dar uma pausa na explicação da sua argumentação, para fazer uma breve apresentação da concepção dualista de mente, ou consciência, cuja a qual Place visa contra argumentar. Em discussões sobre Filosofia da Mente costumou-se estabelecer Descartes como ponto inicial. O qual nos apresenta uma concepção em que a mente, ou a consciência - ambas podem ser tomadas como sinônimo - é tomada como um ambiente interno do sujeito, onde verbos psicológicos ocorrem, tais como: dor, prazer, pensamento emoções, etc. O mesmo é constituído de algo não material. Contudo é importante destacar que Place não se propõe a atacar Descartes diretamente. Visto que, ele não cita, em nenhum momento, em seu texto o filósofo francês. Antes, Place visa contra argumentar com algo que ele denomina de Falácia Fenomenológica. A qual se apropria dessa concepção dualista de mente, principalmente do ponto de que a mente é um lugar, onde verbos psicológicos ocorrem. Com o propósito de ilustrar tal falácia, vejamos o exemplo dado por Place:
A cadeia de eventos que se estende da radiação do sol que entra no olho para, por um lado, a contração dos músculos pupilares e, por outro, os distúrbios elétricos no córtex cerebral são passos simples em uma seqüência de "causação", tais como, graças à ciência, são inteligíveis. Mas, na segunda cadeia, segue ou atende, o estágio da reação do cérebro-córtex um evento ou conjunto de eventos bastante inexplicável para nós, tanto quanto em si mesmos quanto ao vínculo causal entre eles e o que os precedeu, a ciência não nos ajuda; um conjunto de eventos aparentemente incomensuráveis... com qualquer um dos eventos que o conduziram. O eu "vê" o sol; Percebe um disco bidimensional de brilho, localizado no "céu", este último um campo de menor brilho e sobrecarga em forma de cúpula bastante achatada, lidar copiando o eu e uma centena de outras coisas visuais também. Sugestão de que isso está dentro da cabeça não há nenhuma. A visão está saturada com essa estranha propriedade chamada "projeção", a inferência sem fundamento de que o que vê está em uma "distância" do "eu". Basta ter dito que na sequência de eventos é alcançado um passo onde uma situação física no cérebro leva a um psíquico, o que, no entanto, não contém nenhuma sugestão do cérebro ou qualquer outra parte corporal… A suposição deve ser, ao que parece, duas séries contínuas de eventos, uma físico-químico, a outra psíquica, e às vezes uma interação entre eles.
Segundo Place, isso exemplifica esse erro lógico. O qual se fundamenta no argumento errôneo de que quando alguém relata sua experiência interna, dizendo como as coisas aparentam, soam, qual seu cheiro, sabor, etc. Essa pessoa está fazendo uma descrição literal das propriedades de objetos e eventos que ocorrem num ambiente interno a ela. É como se tal indivíduo fizesse uma introspecção, olhasse para uma espécie muito peculiar de tela de cinema, na qual ele vê algumas coisas ocorrerem, e só então reportasse à outrem. Em outras palavras, de acordo com Place, quando descrevemos uma pós-imagem[4] como verde, não estamos dizendo que há algo dentro de nós com a coloração esverdeada. Mas, o que está sendo dito é que estamos tendo uma determinada experiência, a qual aprendemos a descrever como verde.
Dessa forma, Place apresenta dois contra argumentos à Falácia Fenomenológica, ou a essa introspecção peculiar. O primeiro deles é relacionado à linguagem utilizada nos relatos das experiências. Isto é, quando relatamos nossas experiências internas utilizando palavras como "parece com", "cheiro como", etc., as quais também são empregas nas descrições de objetos e eventos do mundo, estamos fazendo isso de forma descritiva. Antes, utilizamos tais palavras, pois foi assim que aprendemos de forma ordinária a dar relatos das nossas experiências. Ou seja, tais palavras são o único recurso que temos para utilizar nesses casos.
O segundo argumento é concernente a uma "ontologia da consciência". Isto é, que a consciência não é um lugar interno do sujeito, ou uma entidade ontológica como uma cadeira ou banco. Pelo contrário, a consciência se assemelha à digestão. Ou seja, ele é um processo fisiológico. Portanto, com esses dois argumentos, Place finaliza seu texto concluindo que a consciência não é um lugar onde verbos psicológicos ocorrem, cuja a qual é acessível apenas por introspecção. Antes, ela é um conjunto de processos fisiológicos do sistema nervoso, tanto central quanto periférico. E o fato de utilizamos palavras que também podem ser aplicadas na descrição de objetos e eventos do mundo para relatar nossas experiências, não implica num uso descritivo da linguagem.
Contudo, apesar da argumentação de Place ser muito contundente, poderíamos fazer pelo menos uma crítica quanto à questão fisiológica da sua argumentação. Place contra argumenta com uma concepção dualista de mente. Assim sendo, ele tem de dar conta de responder tal concepção como todo. A mesma apresenta uma concepção em que é possível ter ciência dos conteúdos de um pensamento, saber que determinada emoção foi causada por tal fato, como por exemplo: alguém que tem ódio de outrem pelo fato de como aquela pessoa se comporta. Dessa forma, a objeção que podemos fazer aqui é que a argumentação de Place não daria conta de explicar o conteúdo de estados mentais de forma fisiológica. Ou poderíamos pensar nos casos de criação, como por exemplo, quando Van Gogh teve a genialidade de criar o quadro "A Noite Estrelada". Ou ainda, poderíamos pensar nos questionamentos, no sentido de questionar a capacidade da neurologia responder às questões éticas, e se assim o fizesse, então essa área da filosofia não passaria de literatura, ou mitologia. Bem, por outro lado, temos de admitir que a neurociência ainda está em desenvolvimento. Contudo, nos parece que apostar na neurociência para resolver problemas filosóficos, é análogo é a apostar na mega-sena para resolver problemas financeiros. Em outras palavras, isso é possível, mas não é seguro.
Por fim, cremos que é importante fazer uma consideração em relação à argumentação de Place e a folk psychology, ou psicologia popular. Primeiramente, vejamos de forma brevíssima o que é a psicologia popular. O que chamamos de psicologia popular é basicamente um conjunto de verbos psicológicos, cujas palavras pertencentes a tal conjunto têm um caráter dualista. Para tentar esclarecer isso, vejamos o seguinte exemplo: A diz para B - "Eu te amo!". Segundo a psicologia popular, B entenderia que A está relatando um evento que o ocorre num ambiente interno a ele, cujo o qual se chama amor. Isso pode suar muito familiar com a Falácia Fenomenológica, a qual Place tentou contra argumentar em seu ensaio. Certamente, alguém poderia concluir que Place visa eliminar tal conjunto de verbos psicológicos. Contudo, aparentemente[5], a posição de Place é totalmente a contrária. Isto é, o filósofo britânico visa manter a mesma. Porém, seu propósito é de retirar o caráter dualista das palavras contidas na psicologia popular, dando uma ressignificação com um caráter fisiológico.
A fim de esclarecer este ponto voltemos ao exemplo dado anteriormente: A diz para B - "Eu te amo!". Contudo, segundo o propósito de Place, tal palavra não teria um caráter dualista, no sentido de algo que ocorre internamente a A. Antes, B entenderia a palavra "amor" como um processo físico-químico que ocorre no sistema nervoso de A. Ou ainda, poderíamos pensar na palavra "dor". Isto é, quando alguém diz "sinto dor no meu braço esquerdo", por exemplo, entenderíamos que algum tecido dessa pessoa está sendo lesado e que as vias aferentes do seu sistema nervoso periférico estão enviando estímulos para o sistema nervoso central. Place compreende que a psicologia popular não é uma teoria, mas sim uma forma de comunicação ordinária das experiências fisiológicas de casa indivíduo. Entretanto, para o filósofo britânico a psicologia popular precisa passar por um processo de ressignificação de suas palavras. Dessa forma, podemos identificar Place como uma materialista revisionário.
Referências:
PLACE, U. T. Is consciousness a brain process? Institute of Experimental Psychology, University of Oxford, 1954.
Notas:
[1] – Graduando em Filosofia pela UFFS (Universidade Federal da Fronteira Sul). E-mail: tailon.testaa@gmail.com.
[2] – É importante esclarecer que as citações contidas no texto foram traduzidas pelo autor desse ensaio.
[3] – Em seu texto, Place utiliza sempre a palavra "brain", que em português significa cérebro. Creio que ele deveria ter tomado um pouco mais de cuidado e utilizado a palavra "encephalon" (encéfalo), apenas por questões técnicas. Pois, o encéfalo é a parte do sistema nervoso que é formado por cérebro, cerebelo e tronco encefálico. Dessa forma, se abarcaria um número maior de processos fisiológicos do sistema nervoso.
[4] – Place usa a palavra "after-image". Tal palavra é utilizada em casos que se tem a imagem de um objeto, mesmo tendo visto o objeto após algum tempo. Como por exemplo: quando olhamos para o Sol e, mesmo estando com os olhos fechados, conseguimos ver a imagem de tal astro.
[5] – Usamos a palavra "aparentemente", pois Place não argumenta diretamente com a psicologia popular. Porém, no fim do seu ensaio ele diz que utilizamos essas palavras, visto que foi assim que aprendemos a relatar nossas experiências. Assim sendo, o que se apresenta aqui é muito mais uma interpretação nossa sobre a argumentação de Place, do que a argumentação do filósofo em si.